domingo, 7 de janeiro de 2007

Consertos caseiros

Eu não me lembro de já ter visto chuva assim em Campinas. Em Florianópolis, talvez, mas já faz mais de 20 anos que saí de lá e posso estar enganado.

Tanta água acaba gerando efeitos surpreendentes. Ontem minha esposa me chamou dizendo que não conseguia fechar a porta da frente. Acho que preciso explicar, antes de mais nada, que esta porta é muito pouco usada. Usamos sempre a porta da cozinha, por ser mais prático e pra não ter que pisar na grama. (Defeitos que você só percebe depois de uma obra pronta.)

Aproveitando o tempo horrível ela resolveu retirar os enfeites de Natal. Um deles estava afixado na porta da frente. Ela abriu a porta, tirou o enfeite e não conseguiu mais fechá-la. O excesso de humidade fez a porta estufar o suficiente pra que a sua base batesse no batente da porta e impedisse o fechamento.

Eu não sou muito afeito a trabalhos manuais. Geralmente, quando eu me atrevo a consertar alguma coisa mais complicada que um prendedor de roupa acabo entrando num processo crescente de estresse e frustração que acaba me tirando do sério. Mas, como eu desconfio que esse problema deve ser decorrência mais de um bloqueio mental que de alguma deficiência motora, eu sempre encaro esses desafios com a altivez mais apropriada aos experts.

Fui até a sala e investiguei o problema. Constatei que "o que estava pegando" eram apenas os dez centímetros da parte mais baixa da porta. Todo o resto estava ok. Pensei em usar o velho truque do "força pra ver", mas fiquei com medo de levar uma bronca da minha esposa caso o resultado fosse algum estrago mais sério na porta ou no batente. E uma bronca levada na porta da sala "aberta" não parecia uma imagem confortável.

Ela sugeriu que eu ligasse pra alguém, mas aí meus brios falaram mais alto e eu decidi que tinha que tentar resolver a questão sozinho pra não passar essa vergonha. Busquei a ferramenta que uso pra quase todas estas situações caseiras: uma chave de fenda. Não que houvesse algum parafuso pra ser desatarrachado, mas eu imaginei que usando a sua ponta como um calço entre a porta e o batente eu pudesse fazer a porta deslizar pra dentro assim como uma calçadeira ajuda um pé a deslizar pra dentro do sapato.

Fiz algumas tentativas sem sucesso, mas percebi que a chave de fenda estava causando alguns sutis afundamentos na madeira da porta. Isso me deu um certo medo, mas também alguma esperança de que a idéia era boa, embora a ferramenta talvez não fosse a mais adequada.

Percebi minha esposa um tanto preocupada com minhas investidas e imagino que ela já estivesse até um tanto arrependida de ter pedido minha ajuda. Levantei-me e ela voltou a sugerir (mais fortemente) que eu chamasse alguém. Fui resoluto pra cozinha em busca da segunda opção de ferramenta: um facão. Não, eu não pretendia descascar a porta ou a soleira. Eu imaginei que a ponta do facão era mais fina e mais larga que a chave de fenda: exatamente o que eu precisava.

Avaliei mais uma vez os locais mais problemáticos da porta, coloquei a ponta do facão ao lado e empurrei com um pouco mais de força a porta. Entrou. E, melhor: consegui puxar o facão pra fora. Ainda bem que eu estava do lado de dentro da sala, pois algum vizinho poderia estranhar a visão de um cara de pijamas, pulando alucinado com um facão na mão.

Anunciei orgulhoso meu feito a todos os da casa e decretei que a porta da frente deveria permanecer fechada até que tivéssemos alguns dias seguidos sem chuva.